Uma Celebração Gastronômica em Belém
Todo mês de outubro, um aroma característico permeia Belém, sinalizando a aproximação da maior celebração religiosa do Pará. Não se trata apenas do perfume de incenso, mas sim da fervura de um prato que simboliza a devoção local: a maniçoba. Neste domingo (12), enquanto milhares de devotos participam da tradicional procissão do Círio de Nazaré, o cheiro da maniva cozinhando se torna o prenúncio de um banquete que une famílias e reafirma a identidade cultural de um povo. A maniçoba, prato emblemático do almoço do Círio, transforma a fé em sabor e mantém viva a conexão ancestral que alimenta tanto o corpo quanto a alma.
Com a chegada do grande dia, as cozinhas e quintais de Belém já estão em plena festa. O borbulhar lento da maniva, que é a folha da mandioca brava, serve como trilha sonora que antecipa o evento. Este ritual culinário requer paciência e maestria, transformando um ingrediente simples em uma expressão de afeto e pertencimento. É nesse ambiente que as famílias se reencontram para compartilhar não apenas uma refeição, mas um legado cultural significativo.
A Raiz da Tradição
A maniçoba tem suas origens nos saberes dos povos indígenas da Amazônia, e sua preparação é um símbolo vivo de resiliência e criatividade. O processo gastronômico começa cerca de duas semanas antes do Círio, quando a maniva moída é lentamente transformada em um caldo escuro e aromático. Gradualmente, a panela se enriquece com uma seleção de carnes salgadas e defumadas, incluindo charque, toucinho, paio, costela e chouriço, que conferem complexidade e textura ao prato.
Os segredos para uma maniçoba perfeita estão nos detalhes. Ingredientes como jambu, uma erva que proporciona uma leve sensação de dormência na boca, e camarão seco, que adiciona um sabor ribeirinho, completam essa harmonia de sabores amazônicos.
“A maniçoba, o tucupi, o jambu – todos esses elementos emergem do conhecimento ancestral. Durante o Círio, esses sabores narram a história da Amazônia e emocionam aqueles que chegam a Belém para vivenciar essa experiência de fé e cultura”, afirma o chef Saulo Jennings, embaixador gastronômico da ONU Turismo.
Um Banquete de Partilha e Identidade
A maniçoba, servida com arroz branco, farinha d’água e a imprescindível pimenta-de-cheiro, é muito mais do que uma refeição; é um verdadeiro banquete que representa a partilha, a fé e a força das raízes locais.
“A maniçoba é um dos grandes ícones da identidade paraense. É um prato que expressa nossa história, nossa fé e o talento do povo que transforma tradição em arte. Durante o Círio, ela se torna conhecida mundialmente e ressalta o papel da gastronomia como uma força cultural e econômica”, destaca o ministro do Turismo, Celso Sabino.
O Coração Gastronômico de Belém
No coração de Belém, na Rua 13 de Maio, o aroma da maniva orienta moradores e visitantes até a famosa barraca de dona Fafá. Há décadas, ela se dedica à preparação e venda de iguarias paraenses, mas é no Círio que seu modesto espaço se transforma em um ponto de peregrinação gastronômica.
“A maniçoba é a minha vida. Aprendi a fazê-la com minha mãe e vendo desde pequena. No Círio, a rua se enche de gente, o aroma se espalha e parece que a cidade inteira cozinha em harmonia. É uma alegria”, compartilha Fafá.
Uma Diversidade de Sabores
O cardápio do Círio vai muito além da maniçoba. Pratos como pato no tucupi, tacacá, caruru e piracuí também se destacam nas mesas paraenses. Para a sobremesa, doces de cupuaçu, bacuri e castanha-do-pará são opções irresistíveis. E não podemos esquecer do açaí, servido em sua forma mais pura com farinha d’água, garantindo energia para as celebrações.
Esse rico universo de sabores consolidou Belém como Cidade Criativa da Gastronomia pela UNESCO desde 2015. “A gastronomia é um vetor estratégico do turismo. A culinária amazônica é um patrimônio do Brasil e merece ser reconhecida mundialmente”, afirma o ministro Celso Sabino.
Buscando fortalecer a integração entre fé, cultura e sabor, o Ministério do Turismo destinou R$ 2 milhões ao Círio de Nazaré neste ano, reafirmando o compromisso do Governo Federal com o turismo religioso e a valorização das tradições da Amazônia.