Desenvolvimento das Loterias Municipais
Recentemente, diversas prefeituras aprovaram legislações para a criação de mais de 70 loterias municipais, segundo um levantamento realizado pelo portal G1. Em pelo menos três cidades, as leis foram aprovadas, mas ainda aguardam a sanção dos prefeitos para que possam entrar em vigor. Outras 39 leis já receberam a sanção, mas não avançaram para a fase prática. Além disso, 17 municípios estão em processo de estudo ou implementação das loterias, enquanto outros 17 se encontram na fase final, esperando a conclusão de editais ou licitações para contratar as empresas que irão administrar os jogos. Por enquanto, apenas uma loteria está em funcionamento, localizada em Bodó, no Rio Grande do Norte.
Entre os 77 municípios que já têm leis sobre loterias, 10 pretendem operar especificamente apostas conhecidas como “bets”, que são apostadas em quotas fixas. Outros municípios planejam realizar sorteios em datas e horários determinados. De acordo com a documentação consultada, o principal objetivo por trás da criação dessas loterias é aumentar a arrecadação para financiar serviços públicos essenciais, como saúde, educação e assistência social. As leis preveem taxas que variam de 2% a 5% sobre a receita das empresas operadoras.
Controvérsias e Interpretações Legais
Apesar do ímpeto das prefeituras em implementar essas loterias, a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) do Ministério da Fazenda tem classificado essa criação como irregular. De acordo com a pasta, a Lei 14.790/2023, que regulamenta as apostas de quota fixa, permite apenas que a União, os estados e o Distrito Federal explorem esse serviço, não mencionando os municípios em sua redação. Adicionalmente, em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a União não possui exclusividade na exploração de loterias, concedendo esse direito também aos estados. Profissionais do setor interpretam que essa ausência de uma legislação clara para cidades brasileiras abriu um espaço para interpretações diversas.
Segundo Telma Rocha, professora de Direito Constitucional e Administrativo da Universidade Mackenzie Alphaville, os municípios acreditam que, na falta de uma proibição explícita, estão autorizados a criar suas loterias. Ela afirma: “Uma vez que a lei não menciona as cidades, e o STF ainda não suspendeu a criação dessas loterias, os municípios têm liberdade para legislar e explorar essa atividade.”
Funcionamento das Loterias Municipais
Atualmente, apenas a cidade de Bodó implementou sua loteria, chamada Lotseridó, sancionada em 3 de julho de 2024 pelo prefeito Marcelo Mário Porto Filho (PSD). As empresas interessadas em operar jogos virtuais devem se credenciar na plataforma do município e enviar relatórios mensais detalhados sobre as transações realizadas. Para cada operação, as empresas devem repassar 2% da receita bruta obtida à prefeitura, que destinará os recursos a programas de assistência social e desenvolvimento local. Bodó já autorizou 37 empresas a operar, todas sem a chancela da Secretaria de Apostas do Ministério da Fazenda.
A informação sobre a autorização das empresas que atuam em loteria municipal em Bodó foi divulgada por meio de um print do computador, mostrando a relação das casas de apostas credenciadas.
Desafios e Implicações Futuras
O governo federal mantém uma lista em seu site com as empresas autorizadas a operar apostas de quota fixa nacionalmente, e notificará a Anatel para desativar sites que funcionem de maneira irregular. Bodó, com uma população de 2.363 habitantes, já tem 38 casas de apostas credenciadas, o que equivale a uma empresa para cada 64 moradores. Embora a prefeitura tenha informado que as empresas pagaram uma taxa de outorga de R$ 5 mil, questionamentos sobre os valores arrecadados desde a implementação da loteria e sobre a legalidade das empresas credenciadas permanecem sem resposta.
Especialistas alertam que a multiplicação de loterias municipais pode representar riscos para tanto o mercado de apostas quanto os apostadores. Um dos principais riscos é a redução da proteção ao consumidor, uma vez que a lei federal exige uma taxa de outorga de R$ 30 milhões e regras de compliance rigorosas para as empresas de apostas. A criação de legislações municipais, por sua vez, poderia diminuir essas exigências. Além disso, se todos os municípios adotarem suas próprias loterias, a fiscalização pelo governo federal tornaria-se muito mais complicada e onerosa, aumentando os custos para a administração pública.