Análise da Crise Ética e suas Implicações na Sociedade Brasileira
Ernesto Geisel, na época chefe da Casa Militar sob o governo de Castello Branco em 1964, viveu um momento emblemático durante uma reunião ministerial no Palácio Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Durante o encontro, o então Ministro da Viação e Obras Públicas, Juarez Távora, fez uma observação que reverbera até os dias atuais: “Mas é uma questão cultural.” Após a reunião, Geisel saiu tão irritado que lançou sua pasta ao chão, exclamando: “Cultural! Então não vai resolver nunca”. Essa cena emblemática reflete uma realidade que parece persistir no Brasil contemporâneo.
Atualmente, enfrentamos uma questão cultural que é profundamente enraizada em nossa sociedade. Essa situação pode parecer um masoquismo coletivo, onde muitos parecem aceitar o sofrimento como parte da vida. O Brasil, que possui um vasto potencial com seus recursos naturais, solo fértil e clima privilegiado, se vê preso a um ciclo vicioso onde a ética é constantemente negligenciada. A crise ética que enfrentamos é uma das manifestações mais perigosas de uma nação que, sem ética, não consegue manter a ordem e a civilização. Essa falta de valores éticos resulta em uma série de outras crises que se agravam, especialmente quando a desonestidade se origina nas altas esferas do poder.
Quando a liderança demonstra comportamentos inadequados, a população tende a replicar essas atitudes. Isso se torna evidente quando observamos comportamentos que vão desde o saque de caminhões acidentados até invasões de propriedades e furtos em lojas. A normalização de práticas como a anulação de processos penais de indivíduos que confessaram seus crimes, juntamente com acordos milionários entre familiares de agentes públicos e banqueiros desonestos, exemplifica a deterioração ética que enfrentamos. Aceitamos contratos irregulares e convivemos com a hipocrisia de figuras públicas que manipulam os recursos públicos sem qualquer pudor.
Nossa cultura também aceita a corrupção como parte do dia a dia. Muitas vezes, somos levados a acreditar que oferecer propina a um agente de trânsito ou furar uma fila é uma forma de esperteza. Essa atitude generalizada reflete uma aceitação tácita de comportamentos antiéticos. Para aqueles que se sentem incomodados com essa situação, a tendência é buscar justificativas, alegando vitimismo. A frase que ressoa é: “Se os outros fazem, eu também posso fazer”. Recentemente, uma exposição sobre o “Complexo Brasil”, na Fundação Gulbenkian em Lisboa, trouxe à tona uma narrativa que atribui os problemas do Brasil aos portugueses, desconsiderando a responsabilidade que temos por nossas próprias escolhas.
Com o aumento da violência e o crescimento da insegurança, o Brasil se tornou, segundo um levantamento da ACLED, um dos países mais perigosos do mundo. É alarmante perceber que, em diversas análises, o Brasil é classificado como o 7º país em termos de periculosidade, comparando-se a lugares como o Haiti. Essa realidade leva a um questionamento profundo sobre a ética em nossa sociedade, refletindo sobre a famosa fábula “Revolução dos Bichos”, de George Orwell, onde a linha que separa homens e porcos se torna cada vez mais tênue. Essa situação, sem dúvida, é apenas uma consequência das escolhas que fizemos.
Sem uma base ética sólida, não conseguimos respeitar as leis e as relações interpessoais, culminando na falta de justiça social. A ausência de ética gera um ambiente de injustiça, pois é ela que fundamenta a justiça. A atual estrutura de nossas cortes de Justiça, que demonstra um vácuo de ética, é um indicativo claro do desafio que enfrentamos. O presidente do Supremo Tribunal Federal enfrenta resistência ao buscar implementar um código de ética que, em um mundo ideal, deveria estar intrinsecamente gravado na mente de cada cidadão. O que nos resta perguntar é: queremos realmente enfrentar nossas crises? Para que possamos realmente superá-las, é imperativo instaurar o império da ética, tanto em nossas casas quanto nas instituições de poder. Sem isso, a dúvida persiste: será que realmente desejamos resolver nunca?
