O Uso da IA nas Artes Visuais
A aplicação da inteligência artificial nas artes visuais continua a ser um tema de debate entre artistas e críticos. A polêmica se intensificou recentemente com uma petição que reuniu mais de seis mil assinaturas, manifestando oposição a um leilão da Christie’s dedicado a obras criadas exclusivamente por IA. O receio em torno do uso não autorizado de obras existentes para treinar sistemas de IA é um dos fatores que divide opiniões nesse contexto. No entanto, a presença da tecnologia nos processos criativos já é uma realidade consolidada em diversos setores artísticos.
Um exemplo claro disso ocorreu na 23ª edição da Art Basel Miami Beach, a mais importante feira de arte das Américas, onde a seção Zero 10, voltada para a arte digital, se destacou. Dentre as obras mais comentadas do evento, estava “Regular animals”, do artista Mike Winkelmann, conhecido como Beeple. Nela, cachorros robóticos com máscaras de silicone de figuras icônicas como Pablo Picasso, Andy Warhol, e líderes de grandes empresas como Elon Musk e Jeff Bezos, interagiam em um ambiente controlado por IA. Beeple fez história em 2021 ao vender sua colagem digital “Everydays: the first 5,000 days” por impressionantes US$ 69,3 milhões, na Christie’s.
A Coautoria com a IA no Futuro
Nos próximos anos, é previsto que a inteligência artificial se torne uma ferramenta ainda mais integrada ao trabalho dos profissionais do setor, mesmo entre aqueles que não estão diretamente envolvidos na arte digital. Essa transformação poderá se manifestar em diferentes formas de coautoria, como apontam especialistas entrevistados pela série de reportagens do GLOBO sobre os impactos da IA na cultura.
A seção dedicada à arte digital na Art Basel, por sua vez, foi batizada em homenagem à mostra “0,10: a última exposição futurista de pintura”, que ocorreu em São Petersburgo em 1915, um marco do suprematismo e da arte moderna. Na ocasião, Kazimir Malevich apresentou o famoso “Quadrado negro sobre fundo branco”, simbolizando a abstração e o futuro das artes visuais. Para os organizadores da feira, a arte digital e as criações feitas com IA representam um novo ponto de inflexão.
Bridget Finn, diretora da Art Basel Miami Beach, comentou sobre a evolução do setor, afirmando que “veremos mais trabalhos digitalmente nativos emergindo em diversas feiras. O que vemos aqui não será o mesmo que presenciará na Art Basel Hong Kong, por exemplo. Estou empolgada para observar como tudo isso se desdobrará”.
Artistas e a Integração da Tecnologia
Durante o evento, o artista canadense Dmitri Cherniak apresentou a série “Ringers”, que tomou como base a obra “Livro do tempo” de Lygia Pape. Essa série foi exposta em um painel digital e em impressões, além de contar com uma escultura em aço inoxidável. Cherniak acredita que o uso da IA como ferramenta artística é comparável às inovações trazidas por László Moholy-Nagy no início do século XX, quando ele integrou tecnologias como a fotografia e o cinema em sua prática artística.
O artista ressaltou que muitos profissionais criativos, que cresceram utilizando computadores e códigos, estão agora aplicando essas tecnologia para finalidades artísticas. “É essencial que os artistas façam uso dessas ferramentas para criar arte”, disse Cherniak. “A automação é o meu meio artístico. Ela impacta nossas vidas todos os dias, e busco utilizá-la para produzir algo poético e criativo, em vez de apenas otimizar processos”, completou.
Desafios Éticos e Futuras Iniciativas
Byron Mendes, criador da Meta Gallery no Centro do Rio, que se dedica exclusivamente à arte tecnológica, compartilha a visão de que, apesar da IA já ser parte integrante da produção contemporânea, ainda há muitos aspectos a serem explorados. “A IA atua como uma assistente, agilizando pesquisas de imagem, testes de composição e criação de variações. Ela é uma ferramenta que possui uma voz própria e pode, em muitos casos, participar do processo criativo”, observou Mendes.
Ele também destacou a necessidade de um ambiente ético para o desenvolvimento da IA, enfatizando a importância da transparência no processo criativo e a regulação para evitar apropriações indevidas. “A curadoria humana precisa permanecer em evidência, pois é ela quem define as escolhas artísticas. A IA não é um problema, mas seu uso irresponsável é”, afirmou. Mendes planeja lançar a Escola Brasileira de Arte e Tecnologia (Ebat) no próximo ano, com o objetivo de capacitar jovens e requalificar profissionais da indústria criativa em novas tecnologias e IA.
“Vamos iniciar com palestras e oficinas em março, focando em construir uma infraestrutura robusta de inteligência artificial no Brasil. A cadeia produtiva das artes e entretenimento está sendo profundamente afetada pela IA, e precisamos democratizar o acesso a essas ferramentas”, concluiu Mendes.
