Um Marco na Cultura Brasileira
O Brasil acaba de dar um passo significativo no reconhecimento de sua diversidade cultural ao oficializar a cultura gospel como parte integrante do patrimônio nacional. Essa decisão, anunciada por meio de um decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Ministério da Cultura, visa integrar de maneira estruturada essas expressões artísticas nas políticas públicas voltadas para fomento, preservação e valorização cultural. Com essa medida, práticas que envolvem milhões de brasileiros em todo o país ganham um novo reconhecimento e apoio.
O decreto define a cultura gospel como um conjunto de expressões artísticas e sociais ligadas à vivência cristã, abrangendo a música gospel em suas várias vertentes, manifestações cênicas, artes visuais de temática religiosa, literatura e produções audiovisuais. Além disso, enfatiza a importância da preservação de acervos históricos e da formação de agentes culturais no âmbito do Sistema Nacional de Cultura.
A Voz do Governo e a Busca por Igualdade
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, comentou sobre a relevância dessa decisão, destacando que o reconhecimento da cultura gospel atende a um princípio constitucional de igualdade no acesso aos direitos culturais. “Ao reconhecer a cultura gospel como expressão de nossa diversidade, estamos afirmando que suas estéticas e repertórios devem receber proteção e fomento, assim como todas as outras tradições culturais no Brasil”, afirmou Menezes. Ela também destacou que esse novo marco assegura que as comunidades de fé sejam incluídas de maneira capilarizada em planos e conselhos de cultura.
Lideranças religiosas veem o decreto como um avanço simbólico e institucional. O pastor Marcos Davi de Oliveira, da Nossa Igreja Brasileira e da Igreja Batista, enfatizou a pluralidade cultural do Brasil: “A cultura brasileira é extremamente diversa. Assim como o forró e outras expressões, a cultura gospel também é plural. O que este decreto muda na prática é o reconhecimento oficial”, disse.
Transformação do Cenário Religioso no Brasil
Esse reconhecimento oficial acontece em um período de transformação do perfil religioso brasileiro. Dados do Censo Demográfico de 2022 revelam uma diminuição na proporção de católicos e um aumento contínuo no número de evangélicos no país. A analista do IBGE, Maria Goreth Santos, ressaltou que essas mudanças refletem um longo processo histórico. “Em 150 anos de recenseamento religioso, muita coisa evoluiu na sociedade brasileira”, afirmou. Santos lembrou que, no primeiro Censo, realizado em 1872, as opções eram limitadas a ‘católico’ e ‘não católico’, não permitindo a diversidade religiosa que se observa hoje.
A metodologia do levantamento precisou se adaptar a essas transformações. “As mudanças sociais levaram a modificações na metodologia do Censo ao longo das décadas”, explicou Santos, destacando a inclusão de novos códigos e classificações que refletem mais fielmente a diversidade religiosa no Brasil.
A História e o Impacto da Cultura Gospel
Para entender a importância da cultura gospel, é fundamental conhecer sua história. O historiador Jessé Felipe Araujo explica que o movimento gospel teve suas raízes nos Estados Unidos, associado à experiência de pessoas negras escravizadas. “O gospel se origina de um movimento de evangelização e cultura negra”, destacou. O próprio termo, segundo ele, remete a ‘evangelho’ ou ‘boa nova’, vinculado à tradição protestante.
A música desempenhou um papel central nesse contexto. Araujo afirmou que o movimento gospel introduziu um estilo musical mais acessível, embora tenha enfrentado resistência inicial devido à influência de gêneros como jazz e soul. Com o tempo, esse gênero assimilou rock e pop, conquistando espaço dentro da tradição protestante, tornando-se não apenas um elemento do culto, mas uma ferramenta de evangelização.
Características da Cultura Gospel no Brasil
No Brasil, a cultura gospel assumiu características próprias. Clayton O’Lee, vocalista da banda Discopraise, explica que a música cristã foi inicialmente trazida por missionários que adaptaram canções de países de origem para o português. No entanto, a partir dos anos 1980, essa relação começou a mudar, com artistas locais se conectando com a música popular brasileira. “Artistas como Rebanhão inovaram ao misturar baião e rock com letras cristãs”, afirma O’Lee.
Nos anos 1990, o termo “música gospel” se consolidou, representando a produção contemporânea dentro desse gênero musical. A associação com igrejas mais jovens, em busca de uma conexão com a juventude, ajudou a expandir esse estilo. Para O’Lee, ser gospel é, acima de tudo, alinhar a música aos ensinamentos de Jesus. “Na cultura gospel, espera-se que os artistas não apenas componham letras espirituais, mas que suas vidas reflitam os princípios que cantam”, ressaltou.
O papel da música gospel é transformador e consolador, oferecendo apoio em momentos difíceis. O’Lee sublinha que o termo ‘adorador’ é preferido em vez de ‘artista’, pois enfatiza a conexão com Deus. “A música gospel serve como consolo em momentos de tristeza e solidão”, conclui.
Com a assinatura do decreto, a cultura gospel ganha um reconhecimento formal nas políticas culturais, não apenas refletindo o crescimento dos evangélicos, mas também a consolidação de uma expressão cultural rica e diversificada no Brasil.
