Desafios e Direções da Esquerda Brasileira
Em seu novo livro, intitulado ‘O que devemos fazer para ressuscitá-la’, o sociólogo Jessé Souza apresenta reflexões sobre a atual fase da esquerda no Brasil e suas perspectivas para as eleições de 2026. Em entrevista ao GLOBO, ele ressalta a fundamental importância de um discurso que priorize a justiça tributária e a soberania nacional, como possíveis caminhos para revitalizar esse movimento político.
Souza expressa um sentimento de desespero ao observar que a população, em sua maioria, ainda se deixa levar pela narrativa da extrema direita. Ele critica a falta de uma alternativa sólida por parte da esquerda, observando que o cenário se torna ainda mais desolador com a saída do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) das urnas. Para o sociólogo, a esquerda precisa urgentemente elaborar uma narrativa que coloque os interesses dos explorados em primeiro plano, em vez de se conformar com uma visão que favorece a elite.
Em suas palavras, ‘A esquerda só será forte se tiver a ambição de construir um país com cidadãos plenos, e não apenas com indivíduos subservientes à elite paulista’. Ele argumenta que a elite, que se apresenta como a mais preparada para o voto, utiliza estratégias que manipulam os desejos da população vulnerável, algo que ele já havia abordado em seu livro anterior, ‘O pobre de direita’. Nesta nova obra, Souza busca entender a razão pela qual a esquerda se afastou desse estrato social e questiona: ‘Qual foi sua estupidez?’
A Crítica à Elite e o Foco do PT
A crítica de Souza à elite paulista é contundente. Ele argumenta que o Partido dos Trabalhadores (PT) se acomodou em ser apenas uma opção secundária para essa elite, oferecendo soluções superficiais que não mudam a estrutura de poder. ‘A elite possui um projeto de poder que está alinhado aos interesses americanos e se vale do Estado como um negócio’, afirma.
Ele observa que a elite se apega a uma narrativa de corrupção que se concentra nos outros, enquanto ignora a escravidão como um dos males mais enraizados no Brasil. Essa visão, segundo ele, tem contribuído para que a esquerda perca o contato com as massas. Souza destaca que a proteção do PT à moralidade política, em vez de focar nas questões de desigualdade, resultou em um afastamento dos eleitores que antes o apoiavam.
Perspectivas para 2026: O Papel de Lula e a Soberania Nacional
Apesar de pesquisas mostrarem o presidente Lula na frente para 2026, Souza não acredita que a esquerda esteja em uma posição segura. ‘A imagem de Lula, ao lidar com questões de tarifas, pode esconder a fragilidade real da esquerda’, alertou. Para ele, é necessário que a esquerda encontre um novo caminho e entenda sua identidade para além da figura de Lula.
Souza também enfatiza que temas como a justiça tributária e a soberania nacional devem ser abordados de maneira profunda, sem se restringir à superficialidade dos números apresentados pela economia. Ele acredita que o eleitorado de baixa renda quer se sentir parte da solução e, por isso, é essencial que a esquerda desenvolva uma narrativa que os empodere.
Segurança Pública e a Necessidade de Uma Nova Narrativa
A segurança pública é um assunto crucial para a esquerda, que precisa abordar a criminalidade não apenas como um problema a ser punido, mas como uma questão enraizada na desigualdade social e no racismo. ‘É um desafio conciliar a defesa dos indivíduos e a luta contra a desigualdade, sem cair em um punitivismo que não resolve os problemas’, afirma Souza.
Para ele, a esquerda deve se posicionar de maneira proativa, apresentando soluções que façam os eleitores confiarem novamente nas instituições, incluindo a polícia e a Justiça. Além disso, ressalta que a narrativa precisa ser clara: ‘Se a esquerda não se posicionar contra o verdadeiro inimigo da população, que são aqueles que a exploram, ela corre o risco de perder cada vez mais espaço’.
Oportunidade e Desafios da Reinvenção
Souza conclui que a reinvenção da esquerda passa por um profundo entendimento do presente, com foco em temas prementes como a Amazônia e a questão ambiental. Segundo ele, é vital reconhecer a importância dos habitantes da região como agentes de conscientização sobre a urgência da preservação da floresta.
A esquerda, segundo Souza, precisa investir tempo e recursos para se reconectar com a população, passando a narrativa de que a floresta e seus habitantes não são apenas vítimas, mas também protagonistas da luta por justiça e igualdade. ‘É preciso ir até eles, ouvi-los, e não apenas criticar de longe’, finaliza. Com um cenário em constante transformação, a necessidade de uma nova narrativa se torna mais urgente do que nunca.
