Audiência de Acareação e os Envolvidos
A audiência de acareação, determinada pelo ministro Dias Toffoli, ocorrerá no dia 30 de dezembro, trazendo como participantes o sócio do Banco Master, Daniel Vorcaro, o ex-presidente do BRB, Paulo Henrique Costa, e o diretor de Fiscalização do Banco Central, Ailton de Aquino. Essa ação faz parte de uma investigação que apura fraudes financeiras que podem ter movimentado cerca de R$ 12,2 bilhões, através da emissão de títulos de crédito falsos.
A acareação é uma técnica utilizada em investigações policiais e processos judiciais para confrontar diferentes versões apresentadas por testemunhas e envolvidos, com o intuito de esclarecer contradições e auxiliar na coleta de evidências.
Controvérsias em Torno da Acareação
A Procuradoria-Geral da República (PGR) expressou sua oposição à realização da acareação, argumentando que a medida é prematura e desnecessária neste estágio do processo, já que, segundo eles, ainda não existem contradições que justifiquem tal ação. Contudo, Toffoli decidiu manter a acareação, que será realizada por videoconferência às 14h, durante o recesso Judiciário, em um processo que permanece sob rigoroso sigilo.
Especialistas em direito têm se mostrado céticos quanto à decisão. O professor de direito constitucional da UFF, Gustavo Sampaio, comentou à reportagem do Globo que a inclusão de um quadro técnico, como Ailton, na acareação pode gerar constrangimentos, pois ele será interrogado junto a dois alvos da investigação. “Isso pode ser visto como uma autoridade estatal sendo colocada em pé de igualdade com os investigados”, afirmou Sampaio, embora não questione o papel do Banco Central nesse processo.
Implicações da Ação de Toffoli
O advogado criminalista Fernando Fernandes também se manifestou sobre a acareação, afirmando que a medida não esclarece efetivamente quem está dizendo a verdade. Ele destacou que a acareação não está sendo presidida pela autoridade que a ordenou, o que poderia levantar questionamentos sobre sua validade. Fernandes observou que a atuação do STF poderia ser interpretada como uma “hiperatuação”, embora reconhecesse a importância da Corte na preservação da democracia.
João Otávio Goes, advogado associado do Oliveira e Olivi Advogados, acredita que existem fundamentos legais que permitem ao juiz antecipar a produção de provas. No entanto, ele ressaltou que essa abordagem pode gerar discussões, uma vez que outras normas e jurisprudências do próprio STF determinam que a iniciativa da acusação deve partir do Ministério Público e não do juiz. Goes mencionou dois artigos do Código de Processo Penal que sustentam sua posição: o artigo 3º-A, que estabelece um processo penal acusatório, e o artigo 156, que permite ao juiz ordenar a produção antecipada de provas que considere urgentes.
Debates sobre a Eficácia da Medida
Apesar das ponderações legais, João Otávio Goes observou que a atuação do juiz deveria ocorrer em fases mais avançadas do processo, para esclarecer dúvidas ou incertezas. “Idealmente, o juiz deveria se abster de fomentar a acusação. Se existe dúvida em favor do réu, é essa a resposta. Acredito que o Judiciário deve ter cautela ao assumir a iniciativa probatória”, concluiu.
O advogado Daniel Bialski, especialista em direito penal e mestre pela PUC-SP, afirmou que não recorda de outros casos semelhantes em que um ministro do Supremo tenha tomado uma decisão dessa natureza, enfatizando que a medida é de “duvidosa validade”. Para ele, as partes geralmente mantêm suas versões, e a acareação só seria eficaz caso surgisse algo que indicasse quem está faltando com a verdade.
Uma Abordagem Incomum e Seu Processo
Thiago Nicolai, criminalista e sócio do escritório Donelli, Nicolai e Zenid Advogados, também levantou preocupações, afirmando que, na ausência de depoimentos pré-existentes, a acareação parece estranha. “É possível que os investigados optem por permanecer em silêncio, o que pode tornar a prova ineficaz”, destacou Nicolai.
A situação é ainda mais crítica por ter sido solicitada de ofício, sem qualquer requisição prévia da Polícia ou do Ministério Público. Conforme o professor de direito constitucional do Ibmec Brasília, Alisson Possa, a manifestação contrária da PGR torna a decisão mais vulnerável a críticas, especialmente em um contexto de sigilo.
Gustavo Scandelari, doutor em direito, concordou que a acareação é um recurso legítimo e com base legal tanto em inquéritos quanto em ações penais, mesmo que determinada pelo juiz de ofício. Entretanto, ele frisou que a medida levanta questões sobre sua eficácia, especialmente no estágio inicial do caso em que as defesas não tiveram acesso total aos autos e onde não houve depoimentos prévios a serem confrontados. Scandelari observou que a acareação permite que as partes articulem uma versão conjunta que possa ser vantajosa a todas.
“Geralmente, a acareação é aplicada a testemunhas, que têm o dever legal de falar a verdade. Os investigados, por outro lado, têm o direito de não produzir provas contra si mesmos”, finalizou Scandelari.
