O Impacto dos Vídeos de IA na Memória de Celebridades
Vídeos criados por inteligência artificial (IA) que retratam figuras falecidas têm gerado um grande alvoroço nas redes sociais, especialmente após a popularização de aplicativos como o Sora, da OpenAI. Desde sua apresentação em setembro, essa ferramenta tem gerado uma onda de clipes hiper-realistas de pessoas notórias, incluindo figuras históricas como Winston Churchill e grandes ícones da música como Michael Jackson e Elvis Presley. Esses conteúdos têm levantado discussões profundas sobre os limites do uso da imagem de indivíduos tanto anônimos quanto famosos que já partiram.
Um dos clipes que causou maior repercussão mostra a rainha Elizabeth II chegando em uma scooter a um combate de luta livre, enquanto em outra cena, ela aparece elogiando bolinhos de queijo em um supermercado. Embora muitos possam achar essas representações engraçadas, a realidade por trás da criação de tais vídeos não é tão leve.
Debate Sobre a Ética na Criação de Conteúdos com IA
Conforme os usuários do Sora começaram a explorar as possibilidades de criação de vídeos, situações perturbadoras também emergiram. Um exemplo notório ocorreu em outubro, quando a OpenAI decidiu restringir o uso da imagem de Martin Luther King Jr. depois de receber reclamações de seus herdeiros. Alguns clipes desrespeitosos mostravam o ativista fazendo comentários inapropriados e ofensas durante seu icônico discurso “I have a dream”. Essa situação levantou alarmes sobre o que ocorre quando a representação de uma figura pública falecida é distorcida e usada sem consentimento.
A professora Constance de Saint Laurent, da Universidade de Maynooth, na Irlanda, comentou sobre a angústia que essas representações podem provocar, referindo-se ao conceito do “vale da estranheza”. Ela destacou que a exposição a vídeos de entes queridos que já partiram pode ser traumatizante para muitos.
Famílias Se Manifestam Contra a Prática
Nos últimos dias, vozes significativas se levantaram contra essa prática. Os filhos de Robin Williams e do ativista Malcolm X, entre outros, expressaram sua indignação em relação ao uso das imagens de seus pais. Zelda Williams, por exemplo, fez um apelo no Instagram para que cessem o envio de clipes gerados por IA de seu pai, afirmando que isso é “enlouquecedor”. A questão central gira em torno do respeito à memória e à imagem de figuras falecidas, que muitas vezes são recontextualizadas de forma desrespeitosa.
Um porta-voz da OpenAI reconheceu que, embora exista um interesse legítimo na liberdade de expressão, é vital que as famílias das personalidades públicas tenham controle sobre a representação de suas imagens. A empresa anunciou que representantes autorizados de personalidades falecidas podem solicitar que suas imagens não sejam usadas no Sora, mas muitos especialistas apontam que isso ainda não é suficiente para combater o problema.
Desafios da Regulação na Era da IA
Hany Farid, cofundador da GetReal Security e professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, criticou a OpenAI, afirmando que, ao disponibilizar a ferramenta, a empresa está promovendo o oposto do controle desejado sobre a imagem. Ele alertou que, mesmo após a restrição do uso da imagem de Martin Luther King Jr., outras ferramentas de IA estão disponíveis e podem não ter as mesmas limitações, potencializando a exploração da identidade de inúmeras celebridades.
Além disso, o problema não se limita a figuras públicas; pessoas anônimas que já faleceram também correm o risco de terem suas imagens e palavras manipuladas por essas tecnologias. A proliferação de ferramentas de IA acessíveis e avançadas pode levar à criação de conteúdos enganosos, afetando não apenas as figuras históricas, mas também a memória de indivíduos comuns.
Pesquisadores alertam que essa disseminação incontrolável de conteúdo sintético, muitas vezes referida como “lixo de IA”, pode resultar em um distanciamento dos usuários das redes sociais, à medida que a confiança nas informações compartilhadas se deteriora. Assim, o debate sobre os limites éticos e legais do uso de imagens de pessoas falecidas se torna cada vez mais relevante e urgente.
